Noto, desde que comecei estudar Design Thinking em 2009, que aparentemente projetar produtos bem feitos e alinhados com os objetivos do negócio não basta mais para alguns (montes de) designers. Boa parte do discurso se pauta em “ajudar salvar o mundo” ou então, o mais comum, “fazer o mundo um lugar melhor”. Sério? Sério mesmo?
Vamos direto ao ponto: Se o design não for sustentável e alinhado com as melhores práticas para com os seres humanos e o meio que vivem, então não é design. Não existe design ruim, existe design ou não existe. E isso não é nada novo, muito menos revolucionário. Se a percepção dessas necessidades só veio agora, então tem mais coisa errada.
Design, reforma e sociedade
Por conta de expedientes de trabalho desumanos, produtos de baixa qualidade, a decadência da cultura livresca, a poluição ambiental e a baixa relação das belas formas com a utilidade dos produtos, algumas das consequências da Revolução Industrial, surge um movimento liderado por William Morris (1834-1896) chamado Arts and Crafts, que questionava e produzia produtos na contramão da Revolução Industrial. Morris, junto com John Ruskin(1819- 1900), escreveram a primeira teoria social do design – e isso já tem mais de 120 anos.
Outro exemplo é a A Escola de Ulm, antifascista, autônoma e internacional, que nasceu e aprimorou o que começou na Bauhaus. Max Bill (1908-1994), primeiro diretor de Ulm, fez um concurso chamado Boa Forma, e definia como “[…] uma forma simples, funcional e com material adequado, de validade atemporal e alto valor de uso, vida longa útil, boa compreensibilidade, processamento e tecnologia, adaptação ergonômica e sustentabilidade ecológica” (SCHNEIDER, 2010, p. 114). Mais uma vez, nada novo para o século XXI.
O designer megalomaníaco: pra quê?
Fazer um bom produto, seja ela para os consumidores encontrarem um imóvel, aprenderem investir, ouvir música ou assistir a filmes já basta e é legal, ajuda os clientes. Esse produto não vai salvar o mundo, nem precisa. Ainda vai ter a Faixa de Gaza, guerras religiosas, a fome e as pestes na África, a seca no nordeste, mesmo se você usar um patinete elétrico ou ir de bicicleta trabalhar. Será que chegamos num nível tão mimado de ser que se não for pra salvar o planeta o sujeito nem trabalha?
Parece que cada vez mais os designers estão alinhados com propósitos infantis* de startups – e não precisa fazer muita busca no Google pra ver como as tratam seus produtos: um novo meio de fazer X, vamos revolucionar o mercado Z, um novo conceito de Y. A maioria simplesmente pega algo trivial e dá um nome em inglês. E tem gente que acredita nessa bobagem. Deve ser o mesmo infeliz que crê que cerveja depois das 18:00 de graça no escritório está lá porque ele tem autonomia e não porque a empresa quer que ele deixe de ir ao bar para trabalhar mais.
Aguardo ansioso os próximos passos, quando os designers não se contentarem mais em só salvar o mundo e almejarem salvar o universo.
* : Existem, claro, empresas/startups que mudaram bastante o mercado, mas correspondem a menos de 1% do todo, então optei não tratar das exceções e peguei a maioria pra exemplificar.
E se você é dos que acredita que o design vai salvar o mundo, deixe nos comentários a data que isso vai acontecer, vou atrás de ti pra cobrar.
Referênias bibliográficas
BRAGA, Marcos da Costa (Org.). O papel social do Design Gráfico: história, conceitos & atuação profissional. São Paulo: Senac, 2011.
CARDOSO, Rafael. Design Para Um Mundo Complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
SCHNEIDER, Beat. Design: uma Introdução. O design no contexto social, cultural e econômico. São Paulo: Blücher, 2010.
8 respostas em “O design não vai salvar o mundo, lamento informar”
Maninho, maninho.
Que saudades de ler textos polêmicos recheados de verdades por aqui!
Cara, eu acredito que trabalhar atendendo a um cliente que faz reflorestamento é muito mais legal do que trabalhar para uma indústria de tabaco, armas ou bebidas alcoólicas, porém, isso é aquele 1% que disse. Isso é a fala da galera nas entrevistas, mas na contratação nos vimos trabalhando para indústria automobilística, da moda e muitos outros ramos que não fazem tâo bem assim para o mundo, e beleza, estamos ganhando nosso dinheiro, felizes com os colegas de trabalho, seguindo nossa vida, pagando nossos boletos e, na medida do possível, olhando para o lado e fazendo o bem aqui e acolá, pq é bom também.
Não dá para se dar ao luxo de escolher tanto assim não. As contas estão lá vencendo tudo!
Então sejamos mais honestos consigo mesmos. Menos hipocrisia, mais ação, nénão?
Se o design (ou qualquer coisa) tem um preço, não vai salvar o mundo. Se existe um preço, não será para todo mundo. Se não é para todo mundo, alguém não vai ser salvo. E não há como salvar o mundo, se alguém ficar de fora. Nem há um “fora”, por enquanto…
Texto muito necessário, recentemente li um texto feito por um conhecido também designer, com todas as suas frustrações justamente por ter acreditado nessa de que o design vai salvar o planeta. Pensei em mil maneiras de dizer a ele a real, de uma forma que não o levasse a abandonar a área, mas acho que vou encaminhar o link desse texto hehehe.
Não sei nem me posicionar na sociedade como Designer devido as condições pitorescas onde encontro a maioria dos colegas de profissão. Os designers que mais admiro como você Fratin são/se tornaram professores, outros quem me identifico são ilustradores, arquitetos e engenheiros (minha atual profissão).
Dos 3 estágios que fiz nenhum me ensinou alguma lição de valor, ou mesmo uma boa prática, nem mudou o mundo ou talvez tenha mudado somente a bolha da empresa, no fim era só um abuso imenso (quem passou sabe) em troca de horas pra faculdade e um salário safado. Quem passou a exercer a profissão normalmente apresenta as mesmas queixas em maior ou menor escala e tem também o povo que diz que pra fazer limonada tem de se espremer limões.
Eu enjoei de lições do tipo “geração de valor” onde você tem que passar altos perrengue pra ser alguém, deixar de ser um ser humano pra se tornar uma “Águia”, um robô ou um diferentão excêntrico, na maioria das vezes uma armadilha que leva a uma determinada exploração.
O design mal consegue se salvar, quanto mais salvar o mundo.
Espero me arrepender desse desabafo no futuro.
Boa Fratin! É isso aí, não vai salvar o mundo. Pelo menos não aquele mundo imaginário, egípcio e sonhador de quando iniciamos nesse mundão de povo feliz.
Mas o design pode salvar sim.. salvar a gente desse mundo e construir um melhor. Não pra todos.. mas começando por vc mesmo, sua família, seus clientes.. enfim, o “seu mundo” melhor.
*egóico
Essa cultura do “eu” que foi estimulada com força pelas entranhas dos programas de realidade e foi aumentada desastrosamente pelas redes sociais, nos mostrou como o ser humano é imaturo e inseguro mundo afora.
Criou-se essa ideia de que se você existe, então precisa criar algo revolucionário. O básico como ter empatia pelo próximo virou papinho de gente fraca. As aparências estão ganhando a corrida contra o conteúdo a passos largos.
Talvez os ideias da revolução industrial estejam sofrendo o seu maior ataque desde sua criação. Um ataque de dentro pra fora. Se naquela época se esperava que o homem fosse um mero operário enquanto estudava maneiras mais eficazes de construir ou melhorar uma máquina, sem se dar conta que estava cavando a própria sepultura – no longo prazo – no mercado de trabalho, hoje esse mesmo trabalhador parece querer se provar para as máquinas, se mostrar tão capaz, veloz, otimizado e vanguardista quanto elas.
O problema elementar é que não somos perfeitos, mas ninguém parece se dar conta disso. Esses salvadores do mundo estão mais megalomaníacos e egocêntricos do que nunca. Adoram aparecer no LinkedIn com um CV incrível, como se fossem novos Da Vincis. Por dentro continuam em ruínas.
Prefiro contar com uma força genuína: a natureza. Em especial, uma de suas filhas maravilhosas, a seleção natural. Ela se encarregará de salvar o mundo desses designers.
São Paulo: Senac, 2011.
CARDOSO, Rafael. Design Para Um Mundo Complexo.