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Design brasileiro e identidade nacional

Junto com a longa discussão de designers versus micreiros, a procura da identidade nacional ou o design autêntico brasileiro foram temas que tomaram muitas e muitas aulas durante minha graduação, entre 2002 e 2005.
Ok, aceito que é a partir de discussões que a gente resolve (quase) tudo. Só que mais uma vez (a outra era com os micreiros) encontrávamos “papagaios” que sempre repetiam as mesmas coisas. E todos resolviam cobrar a “cara do design brasileiro”. Acho que chegou a hora de perceber que nem todo palheiro vai ter uma agulha pra você procurar.

Qual cara tem nosso design? Aliás, que cara tem o design contemporâneo da Alemanha? E da Itália? E da Suíça? Se fôssemos falar de Bossa Nova, Carnaval, samba, Timbalada e futebol, tudo bem, entendo e concordo que sim, temos algo que é só nosso, único, quase inimitável. Mas e no design? Dá?

Eu duvido. Duvido mesmo. Qual é o Brasil visto de fora? Pelé, Ronaldo Gordo e Tom Jobim? Carnaval do Rio? Baianas? Bem, na porta da minha casa na Zona Leste de São Paulo, onde fui criado, nunca vi nada disso. Nem na pracinha que eu jogava bola. Nem no colégio e nem em lugar nenhum. Você já viu? Você foi criado com todas essas referências sempre presentes?

Como nos últimos dois parágrafos eu terminei com pontos de interrogação, vou parar de criar dúvidas e começar a dar meu ponto de vista. Desde 2002 eu busco saber o que é a tal da identidade do design nacional e nunca achei. Olhava as grandes revistas, não encontrava o poder do design brasileiro, visto que a maior parte delas se inspira (até mais do que deveriam) nas suas “originais” gringas. Olhava os cartazes e não os encontrava. Os websites? Não. Esses sempre são “bem fiéis” aos seus benchmarks. Nem as embalagens, nem os livros. Nem nas aberturas das novelas da Rede Globo (isso foi uma piada!). Pensei que poderiam ser as capas de LPs da Gravadora Elenco, nos anos 1950 e 60. Quem sabe então é a coleção das Revistas Senhor. Pode ser que estejam nas ilustrações de J. Carlos. Não. Nada disso.

Talvez nesse momento você esteja pensando que existe SIM identidades bem definidas em diversos países. E vai deixar nos comentários dicas da facilidade de identificar os projetos alemães da Bauhaus ou então as tipografias suíças. Mas isso não trata da identidade alemã nem suíça e sim de escolas desses países. Elas que tiveram uma identidade. Inclusive, falando de Bauhaus, muitos dos professores foram para os Estados Unidos quando o nazismo acabou com a escola, incorporando suas experiências nos projetos que fizeram por lá. Eram projetos americanos com cara de alemães? Não. Eram com cara da Escola Bauhaus. Da mesma forma temos a “cara” da Pop Art, do Expressionismo, do anti-design do Memphis Studio.

Na editora que trabalho tenho contato com gente de todo o Brasil. De cidades próximas a São Paulo e outras muito distantes. E cada pessoa, seja da mesma cidade que eu ou não, teve suas referências e vivências. O Brasil é um país enorme, que abrange todas as classes sociais e econômicas. Tem lugar com seca e tem lugar com enchentes. Você pode num canto se incomodar com uma geada e noutro com calor 40 graus. E cada lugar tem seus valores, suas tradições e a vista das “portas de cada casa”. E nenhuma porta de casa tem as baianas, o Pelé,  o Ronaldo Gordo e nem o Tom Jobim juntos. Seria possível amarrar todas essas pontas com uma só cara? Repito: Duvido. Afinal de contas, não podemos usar  sempre e somente a paleta da bandeira pra justificar nossa identidade.Nem acho que exista um “design paulista”, um “design carioca” e nem gaúcho.

Acredito que precisamos parar logo com essa necessidade louca de ter identidade nacional e aceitar logo que somos um grande mix de coisas e, dentro dessa mistura, tem um monte de gente que tem seus próprios mixes de conteúdo. Assim como muitos outros lugares do mundo. Eu cresci ouvindo músicas que eu gostava, que minha mãe gostava, que meu pai gostava. Isso me deu vontade de vasculhar antiguidades atrás de outros sucessos e assim aprendi a reconhecer as capas dos discos desses segmentos. E eram bem diferentes das de heavy metal que alguns amigos gostavam. E diferentes por sua vez de um ou outro que curtiam o psicodelismo do Caetano. Ganhei muitas referências visuais com os filmes que assistia, bem diferente por exemplo das que minha namorada tem. E assim vai.

Acho estranho isso não ser escancaradamente assumido. Ou então quem sabe eu esteja errado. Enfim, de posts cheio de imagens os blogs de design estão cheios. Aproveita e coloca tua opinião aí nos comments, concordando ou não.

16 respostas em “Design brasileiro e identidade nacional”

Acho que nós não temos que fazer tudo o que fazemos com cara de Brasil só por que somos brasileiros, a não ser que estivermos projetando algo que tenha esta proposta, de lembrar o Brasil ou representar o Brasil lá fora.
O design dos sites que representam os países por exemplo sim, acho que deve ter a cara do seu país, com as cores, formas, fotos e o que mais lembrar aquela nação.

Assim como uma empresa tenha que ter uma identidade, acho que um país também deve ter. E por mais difícil que seja coletar informações nesta grande diversidade, nós temos, além da paleta de cores da bandeira raízes que podem ser resgatadas através da história. É um pouco filosófico, mas identidade vem por aí, do berço, do nascimento e das características fortes de cada um.

Acho nós temos que transformar a filosofia do cliente em uma identidade que transmita aquilo que ele quer para o consumidor final, mas acho que isso não quer dizer que tudo tenha que ficar com cara de Brasil. Cada empresa tem a sua mensagem para passar, por isso eu não me preocupo com a “identidade nacional” na hora de criar, me preocupo com os objetivos da mensagem a ser transmitida.

Resumindo, sou a favor de que um país tenha que ter identidade, mas não acredito que ela se aplique à tudo. Tudo vai depender do objetivo.

Roger, este post textual vale por mil imagens. 🙂

Não sou designer, mas gosto muito de observar a cultura de sociedades e seus grupos e como estes transpõem suas visões de mundo para a construção de suas linguagens (estéticas, textuais, musicais, etc). Acho que somos fruto e produto do meio, das referências que nos cercam (e também das que procuramos, obviamente). Seja por uma pesquisa proposital (benchmark) ou simplesmente consequência do repertório que se tem, a cultura é mãe de todos os nossos projetos.
Acho que a dificuldade que se tem atualmente em chegar a denominadores comuns, que componham uma gramática brasileira, se deve a forma como nos organizamos atualmente. Não somos mais individuos inseridos em bairros, cidades ou países e sim sujeitos alocados em diferentes modos de vida. Nossas aspirações são as mesmas dos fulanos e ciclanos que compartilham o mesmo “way of life” de Londres ou da prórpia Rússia. As grandes instituições cairam e as noções de países também. Hoje é o mundo da “cauda longa” que impera e talvez este seja o maior legado trazido pela web. Resta a vocês, designers, serem os tradutores deste novo “sentimento do mundo”.
Na contramão desta tendência, alguns países têm forçado a barra, criando estratégias marketeiras de “place branding” e o Brasil se encaixa nisto. Neste mês a “marca” Brasil fez 5 anos e, em função disto, houve todo um (re) planejamento estratégico para criar força desta marca no exterior, seguindo o modelo que a França e outros países da Europa criaram em torno dos seus ícones culturais. Mas mesmo havendo esta contra-corrente, acho muito difícil existirem novos elementos unificadores da identidade nacional. Uma das últimas modas em Paris é usar a fitinha de “Nosso Senhor do Bonfim” no pulso. Será que isto é “brasilidade” ou mais um objeto cujo o signo fora deslocado de seu contexto original? Estou com a segunda opinião, mais “frankfurtiana” e condizente com o que pensa o post deste blog.

Escola Bauhaus e de Ulm, tem um papel importantíssimo e fundamental na história do design. Mas é complicado comparar a história e o papel que o design tem em países como a Alemanha, Itália, Suíça, comparado com países como o Brasil. Estamos “alguns” anos atrás não apenas economicamente, mas socialmente e culturalmente.

Realmente o Brasil é conhecido lá fora pelo carnaval, Ronaldo, mulatas, caipirinha, futebol, exatamente por que são essas as imagens que geram lucro para o país. Essa é a imagem que os “gringos’ querem ver, de um lugar com clima tropical, com pessoas bonitas, felizes, festeiras, um paraíso na terra, onde a moeda local vale pouco e somos facilmente colonizados por grandes quantias de dólar e euro. Desde Pedro Álvares Cabral á 510 anos atrás, até hoje, somos dominados pelo mercado internacional (atualmente dominado pelo Americano).

Mas esse mesmo país tropical e festeiro foi base para alguns movimentos culturais que colocam o nome do país forte no mercado internacional. Mostrando que temos uma cultura muito rica e com design autoral e característico desse país. Entre eles posso citar o tropicalismo, tropicália ou movimento tropicalista, que apesar de ter uma influência do pop-rock e concretismo internacional, abriu espaço para grandes manifestações tradicionais da cultura brasileira (artes plásticas, teatro, música, cinema, etc), posso citar também o Manguebeat da década de 60 em Recife, é uma mistura de ritmos que evidencia exatamente essa miscigenação brasileira que é a cara do Brasil. Podemos citar também os Gêmeos grafiteiros de São Paulo, Elesbão e Haroldinho, Alexandre Wolner, entre outros.

A cara do Brasil é essa mistura, as cores, a festa, as formas orgânicas e por que não o papagaio? Afinal, pessoas do mundo inteiro vêm para o Brasil para pesquisar nossos animais, é tópico de reunião da ONU a discussão sobre o futuro da Amazônia, o pulmão do Mundo.

Fui um pouco além do comentário sobre design, mas é um breve comentário sobre o assunto.

Abraços a todos!!!

Completando o comentário do Falco (muito bom, por sinal), acho que o modelo que se esgotou é o que é puramente baseado em ícones nacionais super-expostos, que não têm mais nada a ver com a cultura brasileira atual, porque perderam o sentido de totalidade (afinal o Brasil é um país continental). Mas há sim manifestações com DNA Brasileiro, dai entra o “como” fazer e não a mera reprodução destes ícones esgotados. Por exemplo: o design dos irmãos Campana é uma expressão de brasilidade pelo modo e não pelo objeto em si. Eles têm o tal do “jeitinho” brasileiro, a malandragem (boa) que faz parte da nossa cultura, pois subverte os valores vigentes (a subversão é o meio e não o fim). Eles fazem luxo do lixo (que também me lembra o concretismo do Augusto de Campos – uma vanguarda 100% nacional) com mesas feitas de ralo, cadeiras de abstrações de vassouras. Design com ginga malandra, brasileira, sem macaquear os códigos- padrão ( a tríade mulata, samba e futebol).

Acho esse exercício de deslocamento (Ícones brasileiros x modos brasileiros) muito mais válido. Assim como o há o “humor inglês”, a competitividade americana, há o jeitinho e a sagacidade brasileira, que devem ser mais valorizados, como verdadeiro patrimônio nacional.

Realmente Rogerio, buscar uma identidade nacional em um país tão cheio de facetas chega ser um esforço tolo. E de que adiantaria entre tantas facetas, encontrarmos e elegermos uma, eu pergunto. Seria apenas preconceituoso e injusto, uma vez que iríamos atribuir às demais um grau de importância secundário, o que seria falso.

Não sou um expert, mas observo que muito do que nos é vendido como design autêntico de um país ( Bauhaus e Tipografia Suíça são ótimos exemplos) representam o que escolas específicas produziram em determinado período, e que tornaram-se exemplos de design bem feito, mas foi apenas parte de tudo o que foi produzido nesses países. Tenho certeza que se alguém se aventurar em uma pesquisa mais aprofundada sobre o design produzido no período em que surgiram os exemplos citados, irá encontrar materiais muito variados e interessantes, com linhas de raciocínio e execução muito distintos, e que, por alguma razão, acabaram desconhecidos. Daí, no meu entender, advém uma admiração destes que buscam uma identidade brasileira por estes que vejo como criadores de correntes de pensamento dentro do design, que compele a uma busca por algo que simplesmente é impossível de ser codificado em uma coisa só.

Não sei, embora tenha estudado sobre o tema, mas não acredito que a Bauhaus, enquanto produzia, tinha a intenção de ser a identidade nacional do design alemão. Se alguém viu algo assim, por favor me corrigia pois vou agradecer.

Talvez nós, designers brasileiros, devêssemos nos debruçar sobre o design e nos empenharmos em criar uma corrente de pensamento, que nos levaria sem dúvidas a produção de coisas muito interessantes. Mas que jamais seriam uma identidade nacional, mas teriam o mérito de suscitar novas discussões, criando um ciclo virtuoso que gerariam cada vez mais novas ideias e pensamentos.

Obrigado Rogerio, um post como este nos fazem refletir e melhorar como profissionais.

Sou designer récem formada e no período de faculdade passei por inúmeras discussões sobre esse assunto, acho que o brasileiro sente uma necessidade de mostrar sua cara, ou ter características fortes para chamar de suas. Acredito que a regionalidade do design – seja brasileiro, alemão, japonês ou qualquer outro – não se aplica apenas ao layout ou ao produto final, ao que é visível ao público comum. Como design é um processo que busca soluções e/ou resultados, acho que esse regionalismo pode estar embutido no ato de projetar, como já foi dito. O modo de pesquisar, de perceber o que aquele projeto pretende, de conceber, de produzir, os materiais utilizados (tanto no processo quanto finais), as decisões durante a criação, isso tudo torna o design de cada lugar singular, o que também se reflete nos resultados de cada projeto, já que são pensados e produzidos para uma certa realidade.

Ah, mas que maravilha de discussão boa essa!
Falco, entendi o que você falou a respeito do Alexandre Wollner, os Gêmeos, Tropicália… Mas me diga, o que eles tem de brasleiros além da nacionalidade?
A ideia nesse post não é falar de “personalidades que têm identidade nos seus projetos” e sim do design bebe da água Tupiniquim. O próprio Wollner tem sua formação em ULM. A Tropicália (que foi ótimo para a nossa cultura) come muito da cultura gringa quando coloca rumba, rock, bolero misturado com bossa nova e baião, além de tratar de temas como discos voadores e futurismo (e nada disso é da nossa realidade). O Tropicalismo pode ser sim identificável visualmente, mas ganhou a sua cara pelo MIX Brasil + Terra Gringa…
É isso aí, vamos continuar esse papo que tá bom pra caramba!
Abraços a todos e obrigado pelas participações.
Rogério Fratin

Voltei aqui para dar uma espiada nos comentários e me surpreendi. Sinto como se eu estivesse lendo outro post. Tive uma aula com os comentários e só posso dizer uma coisa: ALTÍSSIMO nível.

Designer não tem cara, pqp..
desigener com estilo proprio não é designer,
temos que saber fazer de tudo, tudo mesmo, ou agora tenho que criar tudo em VERDE E AMARELO, acho que temos coisas melhores para conversar…

Adorei esse post, realmente até agora foi o melhor a esse respeito que eu ouvir falar pro aí em tantos sites que prorcurei sobre esse assunto.

Acho que temos que demonstrar mais a cara do seu design, com tanta cultura que temos aqui e não sai nada.

Vejo o ex. dos estados unidos, sempre tem a porcaria da bandeira deles balançando em todo filme americano e ainda pro cima cheio de efeitos especiais. Me digam, vocês custumam ver a nossa bandeira brasileira em algum filme?

Acho que nós estamos mais do que na hora de mostrar para o mundo que nós somos bons.

Até porque muito desse papo de criar identidade nacional no design fica só na academia. “tocou ou sino” e a galera vai pra casa fazer o mesmo de sempre no photoshop pirata. Essa e várias outras discussões, ao menos pra mim, já estão saturadas porque são expostos problemas, mas não apresentadas soluções, quanto menos a prática das mesmas. Termina que todo mundo chega na mesma conclusão (ou impasse), a coisa desanda mais do que quando tinha começado, e no outro dia a vida volta ao mesmo ponto. Designer no Brasil tem que discutir menos e começar a produzir mais material e á lançar pro mundo ver, é assim que se cria a tal da indentidade – seja vernacular, regional, nacional ou mundial.

Concordo que é impossível existir uma identidade nacional (única) com a pluralidade que temos, mas acho que existe identidade nacional em um mobiliário feito de palhinha em Itapipoca do nordeste e esse pode ser bem diferente do design da botina de Bento Gonçalves do sul. Nós temos uma pluralidade de identidades em âmbito nacional.

Boa tarde,

Sou engenheiro e estudante de Design e estou fazendo uma pesquisa justamente sobre a identidade do design brasileiro. Gostei muito da matéria, mas ao meu entendimento, o design se diferencia das artes, cultura ou até mesmo celebridades conhecidas mundialmente.

No meu entendimento, o design é o estudo metodológico, desenvolvimento, melhora, criação, movido pela criatividade e que trabalhada em conjunto com diversos profissionais a fim de desenvolver algo viável, sustentável, melhorado, novo ou inovador. O objetivo do designer é gerar economia, sustentabilidade, acessibilidade, facilitar o entendimento e ser compatível com o máximo de pessoas possíveis.

Portanto o designer é um profissional multidisciplinar, que faz uso de metodologias para entender o seu cliente e o mercado em que atua. Um designer não trabalha só, os designers trabalham em conjunto, pois o objetivo é melhorar e não apenas tornar bonito, muito menos tornar algo único. Cada produto criado por designers foi desenvolvido a partir de um vasto multidisciplinar e, portanto, tem sua identidade própria, independente do país, estado, município ou região. Existem tendências e gostos pelo que já existe e deixou de ser tendência, mesmo que seja inspirado em algo já existente, não deixa de ser DESIGN.

Só para citar apenas uma das identidades do design brasileiro; são as sandálias Havaianas.

Obrigado.

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